9 de fevereiro: o dia que provocou minha transição de carreira pela dor e pelo amor

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    9 de fevereiro: o dia que provocou minha transição de carreira pela dor e pelo amor

    Esta é uma história muito pessoal sobre transição de carreira, que pela primeira vez vou compartilhar aqui.

    Creio que ajudará algumas pessoas: 

    • a se darem conta que as mudanças profissionais acontecem por diversos motivos, cada um sabe o seu e que ter consciência disso é muito importante para suas escolhas; 
    • a perceberem que “tudo é até o momento que deixa de ser”;  
    • a entenderem que todos, por mais sorrisos que possam dar, tem também suas dores profundas. 
    • a mais uma vez se darem conta da importância de cuidar da saúde mental.

    Essa história conta a maior dor da minha vida até hoje. E foi por essa dor, e também por amor, que decidi mudar os rumos e optar pela transição de carreira.

    Nove de fevereiro de 2017. Era uma quinta-feira.

    Estava a caminho do escritório, subindo a Alameda Campinas de táxi em direção a Avenida Paulista, onde eu trabalhava há quase seis anos. Meu telefone tocou e logo desligaram. Vi que era o psiquiatra do meu ex-marido, que o tinha internado em uma clínica no interior de SP para que ele curasse a dependência de remédios para dormir que estavam afetando seu dia a dia. 

    Renato estava internado há 10 dias. No final de janeiro, antes de ir voluntariamente para a clínica, ele se despediu de mim e do nosso filho Pablo, não sabendo por quanto tempo ficaria lá, mas sabendo que precisava se cuidar. Me deu algumas poucas instruções para cuidar de alguns compromissos enquanto estivesse ausente. 

    Sem irmãos, sem nova esposa e com os pais falecidos, eu era a pessoa mais próxima a quem ele confiava. Eram 27 anos de convivência, sendo 4 anos de namoro, 14 anos de casamento e 9 anos separados, mas criando juntos nosso menino, fruto desta relação de amor que tivemos.

    Tentei ir visitá-lo na clínica em Itapira, mas o médico falou que seria melhor ele não ter visitas no início para facilitar sua adaptação. Ele realmente precisa ficar ali.

    Preocupada, mandei mensagem para o médico perguntando se estava tudo bem com o Renato, mas ele não respondeu. 

    Logo cheguei ao escritório, cumprimentei minha equipe como fazia todos os dias, e sentei para trabalhar. Em menos de 5 minutos, recebi uma ligação. Era o marido da prima do Renato, que, como familiar mais próxima, ficou responsável por sua internação.

    Ele me disse prontamente: “Flavia, estou te ligando para dar uma notícia ruim. O Renato morreu essa madrugada. Ele se matou.”

    A primeira reação que temos é sempre não acreditar. Parecia algo impossível! Como ele, que perdeu pai e mãe tão jovens, que tinha receio de ter filhos com medo de partir cedo também, que tinha optado por se cuidar para ficar bem, que amava imensamente nosso filho, se matou?

    O suicídio sempre foi e sempre será um mistério, mas o que aprendi é que as pessoas não escolhem morrer. Elas simplesmente querem cessar de vez com a dor que sentem.

    A partir daquela notícia, tive o apoio de minha equipe e, em especial, de um querido ex-chefe que trabalhava na mesma empresa e que me acompanhou até a clínica do psiquiatra. Aquele que tinha me ligado, mas desligou o telefone, sem coragem de me contar o que aconteceu… Eu queria entender… porquê?? Como isso poderia ter acontecido em um lugar onde ele foi para estar protegido e cuidado?? 

    Infelizmente, não foi com este médico que tive qualquer tipo de acolhimento para este momento tão difícil…

    Já em casa, com minha mãe e uma psicóloga a quem admiro muito, que conhecia nossa família e atendeu meu filho no período de nossa separação, minha maior preocupação era como contar a meu filho sobre a morte do pai. Me preparei, esperando ele chegar da escola, no final da tarde. Foi o dia mais longo da minha vida!!

    Todas as providências práticas foram tomadas pela prima do Renato e seu marido. IML, translado e vestimentas do corpo, escolha do local para o velório… Eu, só conseguia pensar em acolher meu filho, para o que ele precisasse. E me acolher também, porque não era fácil não…

    A dor para quem fica é sempre achar que poderia ter percebido, feito algo para evitar. Já não estávamos juntos há 9 anos, mas nos falávamos com frequência. Ele foi morar no prédio ao lado para ficar perto do Pablo. Renato era um homem extremamente inteligente e de um coração enorme! Foi executivo de sucesso, repleto de realizações, que fez transição de carreira e chegou a lançar dois livros, mas cuja saúde mental clamou por atenção, talvez tarde demais…

    O velório no dia seguinte seria seguido da cremação – escolha do próprio Renato – mas soubemos, após a cerimônia, que não seria permitido, pois a morte não foi de causa natural.

    Passei as duas semanas seguintes, ainda trabalhando, tentando resolver a burocracia para enterrá-lo. Senti o mesmo dilema de Antígona, filha de Édipo e Jocasta da mitologia grega, que tenta enterrar o corpo do seu irmão e não consegue. Que desespero!!!

    Dias de choro, com muita dificuldade de dormir, achando que iria encontrá-lo em algum lugar, ainda sem acreditar que aquilo tinha acontecido. Tudo típico de um processo inicial de luto. Apesar que luto não tem receita. Cada um vive da sua forma.

    O Carnaval aconteceria em três semanas. Eu ia tirar duas semanas de férias e tinha uma viagem planejada há tempos com meu marido para a Europa. Seria nossa primeira viagem juntos para lá. Obviamente eu não fui. Nunca deixaria meu filho sozinho!! E tampouco teria forças ou cabeça para pensar em viajar.

    Aproveitei essas duas semanas sem trabalhar para começar a resolver as inúmeras coisas que se precisa fazer para se “desconstruir” a vida de alguém. E acima de tudo para ficar mais próxima do meu filho, que tanto precisava de mim. 

    Senti o peso do mundo nos meus ombros. Quem se torna pai e mãe sabe que quando um filho nasce, a gente perde o direito de morrer. Eu não tinha mais o direito de morrer mesmo! Agora, tudo era comigo. As decisões, as broncas, os abraços. 

    Reflexão sobre transição de carreira

    Mas foi neste período de férias que me dei conta que meu estilo de vida não combinava mais com o que eu precisava fazer naquele momento. Eu viajava a trabalho para o exterior cerca de quatro vezes ao ano, fora as viagens pelo Brasil para visitar as lojas, os representantes que atendiam as quase mil multimarcas que revendiam nossos produtos e os fornecedores.

    Eu era responsável pela gestão de uma marca internacional, de alta reputação, que faturava milhões, com diversas lojas espalhadas pelo Brasil, com compromissos de negócios e logística internacionais, contrato de royalties para um projeto pioneiro que iniciamos na operação brasileira, etc…. era um compromisso enorme e eu sempre trabalhei com muita responsabilidade e paixão pelo que fazia! 

    O trabalho sempre foi muito importante para mim. Desde cedo, aos 16 anos, quando comecei a trabalhar dando aulas de inglês. Minha independência, minha evolução pessoal, minha contribuição e impacto para as pessoas e os negócios para os quais dediquei meu tempo…tudo isso sempre teve muito valor para mim e me dediquei de forma intensa e buscando sempre fazer o melhor. Mas naquele momento de vida, aos 45 anos, ciente que eu não podia esperar, escolhi pelo que era mais importante para mim: meu filho. Ele, meu principal projeto de vida, precisava de mim. E eu precisava de tempo para cuidar dele do jeito que ele merecia. 

    Transição de carreira: foi uma escolha pela dor que sentimos e pelo amor que tenho por ele

    E foi assim, que ao retornar das “férias do carnaval de 2017”, pedi minha demissão. Não sabia o que iria fazer profissionalmente, mas sabia que precisava mudar meu estilo de vida.

    Dediquei ainda um mês para fazer a transição de carreira, indicando uma pessoa experiente para me substituir e deixando toda a equipe preparada para minha saída. 

    Sei que saí com as portas abertas para voltar quando quisesse. Mas não voltei. Decidi empreender e essa história deu início a consultoria de gestão de carreira e desenvolvimento de liderança que tenho hoje: a Unblur Consultoria. 

    Neste novo modelo empreendedor de vida e carreira, tive e tenho a flexibilidade necessária para poder dedicar ao meu filho – hoje um rapaz de 18 anos que inicia sua jornada universitária – o tempo com ele que não podia esperar. 

    Na consultoria, ofereço uma proposta de valor a meus clientes na qual aporto meus talentos, habilidades e conhecimentos para impactar pessoas. Fiz e farei sempre o que tiver que ser feito em prol dos meus valores e do que imagino ser um futuro que quero construir para mim e meu entorno.

    Jacinda Ardern, ex-primeira-ministra neozelandesa que renunciou ao cargo em janeiro de 2023 após quase seis anos liderando o país em tempos difíceis, deixou o cargo dizendo que a Nova Zelândia precisaria de um novo par de ombros para seus desafios. E complementou: “Espero deixar os neozelandeses com a crença de que você pode ser gentil, mas forte; empático, mas decisivo; otimista, mas focado. E que você pode ser seu próprio tipo de líder – aquele que sabe quando é hora de partir.”  Eu não poderia concordar mais.

    Joni Raugust, um querido amigo do Renato desde a época que trabalhavam juntos na Coca Cola, escreveu este poema em homenagem ao amigo de discussões nas mesas de trabalho e conversas  nos bares cariocas. Ex-executivo, hoje compartilhando seu conhecimento e experiência no mundo acadêmico, Joni tem a alma de um poeta! 

    Li seu belo texto na missa de um mês de sua morte, celebrada dia 10 de março de 2017, e agora o compartilho com você:

    Para os dias de futebol e de conversas sobre como resolver os problemas do mundo

    Já faz muito tempo

    Foi na cidade do Rio de Janeiro

    Ao chegar em um novo emprego

    Fui acolhido por um companheiro

    O entendimento é imediato

    As ideias fluem rápido

    Instantaneamente fizemos contrato

    Discordar, esse é o trato

    Prato preferido do Renato

    Mas o nível tem que ser alto

    Ideias com sustentação

    Ele tinha talento nato

    Convencia na argumentação

    Livros, cinema e música

    Sociedade, propaganda e consumo

    Qualquer coisa que afetasse o mundo

    Dias de chuva, dias de sol

    E, maravilhosamente, o danado do futebol

    A diversão reinava

    Não pensem que o trabalho não contava

    A gente até gostava

    Mas… se divertia mais do que trabalhava

    O tempo passou

    E a amizade continuou

    Noites ao telefone

    Pessoas que ele esquecia o nome

    Discussões que não construíam muro

    Sobre filhos, casamento e futuro

    Não esquecendo at all

    O danado do futebol

    Para mim, o que te define é a cabeça

    Ou melhor, a mente

    E o uso das palavras em profusão

    Para expressar o que sente

    Tens em ti um amor agitado 

    Que dedicastes com todo o cuidado

    Pra quem te compreendeu mesmo estando errado

    Sabemos que teu legado está guardado no Pablo

    Sem deixar de colocar em jogo

    Tua paixão pelo Botafogo

    Se de tanto que tu me destes

    Um pouco apenas eu absorvesse

    Já seria o suficiente

    Para que eu não te esquecesse

    Te amo, querido!

    Hoje, celebro o Renato. Que saudade! Onde quer que você esteja, saiba que você foi e é muito importante na minha história de vida. Amém.
    Obrigada por me acolherem nessa passagem marcante de minha vida e transição de carreira.

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