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A comunicação empática como forma de construir pontes
Nunca fui do tipo que gosta de conflitos. Quem me conhece sabe que sou da paz e equilíbrio é uma palavra que me define. Mas sei também que para existir, o equilíbrio precisa de rearranjos. O que estava equilibrado ontem, não permanece mais assim hoje ou amanhã.
É preciso chacoalhar para reequilibrar. E cada vez mais precisamos fazer isso. Porque se a gente não chacoalha, algo ou alguém irá chacoalhar por nós!
Então, se os conflitos irão acontecer, a pergunta é: como lidamos com eles?
Neste último ano estudei bastante sobre Comunicação Não Violenta, também conhecida como CNV ou comunicação empática. Minha base de estudo foi o Marshall Rosenberg, psicólogo norte americano que cresceu no interior de Detroit e conviveu diariamente com várias formas de violência. A CNV nasceu de sua busca por habilidades de pacificação para lidar com a mediação de conflitos. Marshall atuou em áreas divididas por guerras, pobreza e conflitos sociais em 62 países dos 4 continentes e fundou o Centro para Comunicação Não-Violenta (https://www.cnvc.org).
Compartilho aqui meus principais aprendizados sobre a CNV.
O que é violência?
Violência é tudo aquilo que coloca o outro ou a si mesmo em uma situação de culpa ou vergonha. É entrar em uma relação apenas para ganhar ou manipular. É achar que sempre o que você tem a dizer é melhor que o outro. São violências invisíveis, mas que machucam também.
As metáforas da girafa e do chacal
Usar metáforas nos ajudam a compreender melhor os conceitos e, a partir de dois animais, entendemos que CNV é uma proposta que nos convida a resgatar a amorosidade nas relações, usando a comunicação a serviço de uma vida com paz.
O primeiro animal é a girafa. Ela é o mamífero terrestre com o maior coração, que precisa ser grande para bombear o sangue até a cabeça, passando por seu longo pescoço. Este mesmo pescoço permite a girafa ver do alto, com um olhar amplo e claro para as diferentes situações. Além disso, a girafa se alimenta das acácias que são plantas com muitos espinhos, mas elas sabem passar pelos espinhos e chegar ao nutriente que lhe ajudará a sobreviver.
O segundo animal, contraponto da girafa, é o chacal. Da família da raposa, o chacal é agressivo e predador. Possui um uivo bem forte que chega a soar como uma sirene. É como se estivesse gritando e impondo sua voz, representando uma forma de linguagem que impede a conexão entre as pessoas.
O processo da CNV
Como nas viagens de avião, quando você precisa primeiro colocar a máscara de oxigênio em você para depois poder cuidar do outro, tudo começa por sua auto-empatia. Ela precede a empatia com o outro. Comece perguntando “O que está vivo em mim?”. “Que valores, princípios e necessidades estão em jogo? O que estou sentindo?”
Em seguida, faça a conexão com o outro, buscando entender de forma empática o que está vivo no outro. Qual é seu sentimento e qual é a necessidade que o outro deseja atender?
Os quatro princípios
São quatro os princípios fundamentais da CNV:
- Observação: é a explicação dos fatos que todos podemos observar
- Sentimento: é uma palavra que explica o que estamos sentindo
- Necessidade: são universais e podem ser atendidas por qualquer pessoa
- Pedido: são solicitações que podem ou não ser atendidas.
Há diferenças valiosas de se conhecer em cada um destes princípios. São elas:
Observação x Julgamento
Importante entender que é um julgamento – e não uma observação – quando usamos adjetivos e falamos “Você é…” ou generalizamos “Você sempre…” ou “Você nunca…”
Por exemplo, “você chegou 15 minutos atrasado ontem em relação ao horário que combinamos” é uma observação. “Você sempre chega atrasado” tende a ser um julgamento.
O julgamento em um diálogo já é o primeiro passo para que ele não aconteça. Mas sabemos que é impossível não julgar. É natural. É como tentar fazer com que a unha pare de crescer. O ideal é distinguir o julgamento sobre o outro do outro em si. Não temos controle sobre o julgar mas temos controle sobre o que fazemos com o julgamento. Não é preciso expressá-lo. Apenas observe os fatos.
Sentimento x Pensamento
Expressamos um pensamento – e não um sentimento – quando usamos a voz passiva: “Estou me sentindo ignorado”. Na verdade, trata-se de um pensamento. Alguém pode de fato estar te ignorando ou apenas não consegue te dar a atenção naquele momento. O que esta “não atenção” gera de sentimento em você? Você pode se sentir sozinho por pensar que está sendo ignorado.
Muitas vezes, apesar de usar o verbo “sentir”, ao falarmos “sinto que”, podemos bem substituir por “penso que”. Não se trata, neste caso, de uma expressão de sentimento, mas sim de pensamento. Por exemplo, a frase “Sinto que você não me ama mais” pode ser substituída por “Penso que você não me ama mais e ao pensar nisso, sinto tristeza”.
Necessidade x Estratégia
Estratégia é uma maneira de atender uma necessidade. Por exemplo, se alguém precisa ter atendida sua necessidade de segurança, ela poderá usar como estratégia manter-se em contato com seus familiares 100% do tempo para enviar ou receber comunicações caso algo aconteça. A necessidade é segurança e a estratégia é manter o contato constante.
Pedido x Exigência
Trata-se de uma exigência – e não um pedido – quando colocamos algo sem aceitar o “não” como resposta ou limitando as escolhas.
Por exemplo, imagine um casal que está em conflito, porque ambos estão em casa, em quarentena, mas o marido se sente sozinho pois sua esposa está muito tempo dedicada ao trabalho e a casa e pouco dedicada a ele. Sua necessidade de presença não está sendo atendida. Pedir para escolher entre ele ou o trabalho não é um pedido. É uma exigência! Mas pedir para a esposa avaliar formas de equilibrar mais sua atenção com o trabalho, o marido e a casa já funciona como um pedido.
Como se expressar através da CNV?
Existe o que poderia ser chamada de uma fórmula mágica para nos expressarmos através da CNV. Ela começa com as seguintes palavras que seguem os 4 princípios da CNV:
- Quando eu vejo você… (observação),
- eu sinto … (sentimento),
- porque minha necessidade de… (necessidade) está/não está sendo atendida.
- Você estaria disposto a… (pedido)…?
Exemplos 1: Quando você larga as roupas espalhadas pelo chão do quarto, eu me sinto irritada, porque minha necessidade de ordem nos espaços onde convivo não está sendo atendida. Você estaria disposto a pendurar sua roupa no cabideiro?
Exemplo 2: Quando trabalho de casa de forma remota e sentado todos os dias da semana, sem intervalos entre os calls, me sinto estafado, porque minha necessidade de movimento não está sendo atendida. Seria possível termos intervalos de 15 minutos pela manhã e de 15 minutos a tarde?
Um estudo que faz sentido
O Instituto Avon em conjunto com o site “Papo de Homem” realizou um estudo em 2019 como o objetivo de entender quais são os maiores entraves e esperanças quando estamos debatendo ideias.
Conduzido em todo o Brasil com mais de 9 mil homens e mulheres entre 18 e 59 anos, o estudo “Derrubando muros e construindo pontes: como conversar com quem pensa muito diferente de nós sobre gênero?” mostra que, entre os obstáculos, o principal em todos os segmentos sociais analisados é a agressividade das conversas, apontado por 64% dos entrevistados, seguido por radicalismo e falta de energia. Quase 40% dizem que a falta de empatia do outro lado também é um problema, mas apenas 8% reconhecem que a falta de empatia nelas representa uma barreira.
A pesquisa traçou três perfis de pessoas:
1. Construtores de pontes: representam 15% da população e são as pessoas mais abertas ao diálogo, consomem conteúdo contra e a favor de seus pontos de vista. Escutam, demonstram disposição e curiosidade na conversa. Essas são as mediadoras de conflito.
2. Em trânsito: representam 50% da população e têm níveis intermediários de busca por diálogo. Se esforçam para entender mais o outro, às vezes se conectam, mas as vezes não. Nem sempre são pacientes. Depende do humor. Essas pessoas se cansam mais, mas costumam sentir alegria quando compartilham algo que outra pessoa ainda não sabia.
3. Entre muros: representam os restantes 35%. São aquelas pessoas que optam por não manter conversas com quem pensa diferente, evitam conteúdos que sejam divergentes das suas crenças e acreditam menos no diálogo como impulsionador de mudanças.
Lembrando que buscar o consenso não é sinônimo de ser passivo. Mas é usar a criatividade, o autoconhecimento e a empatia para construir pontes.
Com qual dos perfis acima você mais se identifica?
CNV é prática
A comunicação não violenta propõe um jogo muito mais divertido que o de dominar as pessoas. E como todo jogo, precisa de prática. É no dia a dia, em cada relação, em cada conversa, que vamos exercitar a conexão com o outro.
Três dicas importantes que deixo com vocês para usarem em suas vidas e em suas organizações:
- Sempre se faça a pergunta: “O que está vivo em mim?“. A auto-empatia é o primeiro grande passo na CNV.
- Aprofunde seu vocabulário emocional. Entender seus sentimentos e necessidades e saber expressá-los em palavras é uma habilidade importante e irá te ajudar no seu auto-conhecimento e nas suas relações.
- Entre nas conversas para conhecer o outro (e não para convencer o outro). Você irá descobrir o quão interessante é o ser humano!