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17 chefes em 30 anos. Episódio #3 A primeira avaliação 360 a gente nunca esquece. Mais uma vez, o tema é comunicação.
Eu ocupava um cargo de gerência, tinha uma equipe pequena. O chefe naquela época era um cara novo, inteligentíssimo, bem sério, concentrado, introspectivo, mas disponível. De fala curta, mas objetiva e clara. Eu era o entusiasmo em pessoa. Afinal, depois ter vivido anos em um regime corporativo super engessado, em que o que mais valia era a capacidade de se auto formatar nos padrões estipulados, estar em um ambiente de startup de cultura inovadora, com uma página em branco em cima da minha mesa para eu escrever, cheia de novos desafios e coisas para aprender, fazia com que qualquer chefe aparentemente carrancudo se tornasse apenas mais um desafio entre tantos tão estimulantes.
Como ele não era muito da conversa e era muito focado em resultados, eu empaticamente buscava me aproximar dele desta mesma forma, com conversas curtas, objetivas, já com propostas de solução para os problemas. A minha mesa ficava bem ao lado da sala dele, portanto entre nós havia uma parede de vidro, coberta por persianas semi abertas. Usualmente, ele me fazia perguntas ou solicitações por email mesmo, normalmente de 3 linhas, no máximo. Quando eu terminava de ler, virava o pescoço para o lado e o via ali digitando em seu laptop. Era curioso isto para mim.
Nesta hora eu me lembrava do meu antigo chefe, uma pessoa tão relacional, intensa e comunicativa. Me dava uma certa saudade, mas eu sabia que tudo o que eu estava vivendo ali valia muito a pena. Aquilo era só um detalhe. Afinal, a autonomia que meu chefe me proporcionava era muito valiosa para mim.
Eu ia até a porta da sala dele e perguntava “E aí? Tudo bem?”. Ele erguia o olhar, parava de digitar e me abria espaço para conversarmos um pouco. Eu aproveitava e dava o retorno que ele me pedia por email e assim seguíamos a vida. Era muito interessante como ele preferia pouco contato pessoal, mas mesmo assim me dava atenção quando eu estava em sua sala. Ouvia, respondia com precisão e brevidade e, em geral, elogiava meu trabalho.
Uma das coisas que aprendi com esta experiência foi que se você quer feedback, peça!
Alguns gestores realmente não se sentem bem dando feedback, vão procrastinando e o timing passa. Acham que há aspectos óbvios de serem entendidos e as pessoas não os desenvolvem porque não são capazes, sem cogitar que muitas vezes não enxergam os pontos de melhoria que estão impactando seu desempenho. Ou imaginam que não há motivo para elogiar um trabalho que não é mais do que a sua obrigação fazer e que só o fato de lhe dar mais responsabilidades já é uma prova de que está sendo reconhecido. Não há dúvida que receber mais responsabilidades é um bom sinal, mas ouvir e ser ouvido sobre qual está sendo a percepção sobre o seu trabalho é fundamental para que se crie alinhamento e planos de ação em prol do seu desenvolvimento.
Aprendi também que não basta perguntar para o seu gestor se você está indo bem. Vale a pena também insistir para saber se há algo ainda que pode ser melhorado.
Voltando à minha história, tudo parecia ir muito bem. Eu trabalhava feito um cão perdigueiro, buscando entregar resultados de forma obstinada. Cheia de orgulho de mim, porque afinal, tudo ia muito bem. Até o dia em que foi aplicada uma pesquisa 360 graus. Quando eu recebi o resultado, tomei um choque. Era uma tabela, obviamente sem a identificação dos respondentes, mas com uma linha para cada um deles e suas respectivas respostas dos pontos de avaliação nas colunas lado a lado. As notas que recebi eram todas boas, como eu esperava, mas a última coluna era intitulada “Comentários”.
Quando bati os olhos naquela parte, havia uma meia dúzia de frases praticamente repetidas, como se todos tivessem combinado o alerta que precisam me dar. Não me lembro exatamente o que estava escrito, mas era algo como: “Precisa melhorar a forma como fala com as pessoas”.
Nunca vou me esquecer daquela cena. Eu, sentada à minha mesa, olhando aquela tabela de avaliação e vendo aqueles comentários todos gritando na minha frente. Meu corpo começou a formigar e minha vista até escureceu. Seria de mim que eles estavam falando? Não teriam trocado minha avaliação pela de outra pessoa? O que significava tanta gente comentando a mesma coisa? Seriam loucos, psicopatas querendo acabar comigo? Um complô contra mim? Meu Deus, que gente escrota! Quem faria isto comigo? Justo eu, tão dedicada, esforçada, comprometida!
O formigamento foi diminuindo, o choque foi passando, e fui me acalmando à medida que começava a respirar e voltar a me concentrar no que realmente era importante. Aquilo poderia ser sério e eu não tinha a menor noção de que as pessoas me viam daquela forma! Mas, a quem recorrer? Eu não sabia de que maldita facção terrorista tinha vindo aquele terrível golpe. Ou estaria vindo de arcanjos pertencentes a uma ordem superior atuando como mensageiros em missões especiais de amor ao próximo? Não dava para saber. A quem mais recorrer?
Foi quando resolvi, indignada, dividir o resultado da minha avaliação com meu chefe . E perguntei algo do tipo: “Você tem alguma ideia do que querem dizer com isto?” Ele não levou meio segundo para dizer: “Sim, sei exatamente o que querem dizer. Até a mim incomoda a forma como muitas vezes você me aborda.”
Eu paralisei! Como assim? Por que ele nunca me disse isto antes? Como ele pôde me deixar chegar a este ponto sem jamais me alertar sobre minha forma de comunicação? Será que ele não acreditava na minha capacidade de melhorar este aspecto? Será que ele não cogitou que isto o afetaria também de alguma maneira, pois as pessoas de quem eu dependia internamente poderia não facilitar as coisas para mim? Meu Deus! Seria tudo isto um Mi Mi Mi coletivo liderado pelo meu chefe?
Bem, me sentei na frente dele e perguntei o que eu precisava fazer para melhorar. Ele me disse: “Tente ser menos dura com as pessoas. Nem todo mundo tem o seu ritmo. Você precisa entender que suas demandas não são as únicas prioridades e mesmo que sejam, as pessoas precisam ter a visão clara do porquê. Coloque-se no lugar dos outros!”
Aprendi que esta história de tratar os outros como você gostaria de ser tratado é um tanto arriscada.
Eu não ligava tanto para a forma como as pessoas falavam comigo, a menos que fosse uma forma desrespeitosa ou ofensiva. O que valia para mim era o que estava sendo dito e para quê. Sem dúvida, eu vinha de um ambiente mais hostil, em que os bacanas eram bem do padrão Bobby Axelrod da série Billions. Além disto, meu pai também era durão para se comunicar e usava de uma franqueza excessiva. Minha referência tinha sido assim até então e eu nunca havia precisado me lapidar neste aspecto.
Entendi que eu precisava mudar e com urgência. Nem sabia bem como, mas comecei prestando mais atenção na forma, no tom de voz, no ritmo da minha comunicação e, principalmente, na reação e receptividade das pessoas.
Depois, entendi também que comunicação é uma chave de sustentação para qualquer resultado que você precise entregar.
Mais à frente ainda eu senti o quão mais prazeroso e significativo fica o trabalho quando você tem o apoio genuíno das pessoas que se sentem parte do que você está fazendo, simplesmente porque se sentem consideradas, respeitadas e valorizadas. Isto se faz com comunicação! Com o tempo eu percebi que aquele feedback da avaliação 360 não era um ato terrorista e sim a ação de pessoas do bem que, da forma como puderam, me mostraram um ponto cego que só eu não enxergava. Sou eternamente grata!
Sobre liderança, aprendi que podemos sempre fazer mais pelas pessoas.
Aprendi que mesmo dando autonomia a quem tem as competências necessárias para arcar com suas responsabilidades, é preciso estar presente de alguma forma. É preciso entender que tipo de apoio seu time considera receber. Sempre é possível abordar, por meio de uma comunicação empática, quais outras maneiras podem otimizar resultados. É preciso ouvir e dar feedback!
Mais uma vez, reforçou minha tese de que liderança, acima de tudo, é uma responsabilidade com pessoas.